Hoje vamos para o primeiro post mais “técnico” da série Reforma Trabalhista Contextual.
Lembrando que a intenção aqui não é esgotar o tema, mas dar uma noção mais prática sobre a matéria e trazer o contexto das alterações promovidas pela Reforma Trabalhista, para você fixar melhor o conteúdo.
A ideia do Direito do Trabalho é trazer mais pessoas jurídicas que tenham relação com determinado contrato de trabalho para responder pelos créditos trabalhistas daquele determinado empregado. Desse modo, o empregado tem maior garantia de satisfação de seu crédito, ou seja, em uma eventual ação trabalhista o trabalhador tem mais chances de receber as verbas laborais.
No entanto, essa ideia geral de responsabilidade na área trabalhista não pode ser feita de modo desproporcional, sem qualquer critério. E um dos critérios adotados pela Reforma Trabalhista ocorre quando as empresas atuam em conjunto, formando um grupo econômico.
Grupo econômico ocorre quando duas ou mais pessoas são favorecidas direta ou indiretamente por um mesmo trabalho, por haver uma conexão nas atividades entre essas empresas (mais ou menos o conceito de Maurício Godinho Delgado, no Curso de Direito do Trabalho, página 495).
Grupo econômico e formalidade
Uma primeira observação que se deve fazer é que não precisa ocorrer a formalização do grupo econômico trabalhista com a mesma formalidade exigida no Direito Empresarial ou Direito Civil; como exemplo, não é necessária a formação de uma holding de empresas para que exista o grupo econômico. Basta que se preencha os requisitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho.
Grupo vertical e horizontal
Uma segunda observação é que o grupo econômico pode ocorrer de modo vertical ou horizontal. Grupo econômico vertical é configurado quando uma empresa “manda” na outra, ou seja, existe uma relação de hierarquia entre as empresas, sendo que uma controla a outra; já o grupo horizontal existe na mera coordenação entre as empresas, ou seja, basta que elas atuem em conjunto.
A Consolidação das Leis do Trabalho, na sua redação anterior à Reforma Trabalhista, exigia o controle de uma empresa por outra, ou seja, considerava grupo apenas o vertical. A redação da Consolidação das Leis do Trabalho era no sentido de que haveria grupo econômico quando uma empresa estivesse “sob a direção, controle ou administração de outra”. No entanto, a maioria da doutrina e jurisprudência aplicava a Lei do Trabalhador Rural (Lei n. 5.889/1973), sendo que essa Lei autorizava também a formação do grupo horizontal. Essa Lei era aplicada tanto para o empregado urbano como o rural, indistintamente.
No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento feito pela Subseção I de Dissídios Individuais (E-ED-RR 214940-39.2006.5.02.0472, julgado em 22.5.2014), determinou a aplicação do grupo vertical, afastando a caracterização do grupo de empresas urbanas na forma horizontal.
Como não existia um critério bem definido na Lei sobre o que configura grupo econômico, inclusive existindo essas divergências em decisões judiciais sobre a aplicação do grupo econômico, a Reforma Trabalhista teve a intenção de regulamentar de uma maneira mais clara o que configura grupo econômico.
Reforma Trabalhista e o grupo horizontal
A primeira alteração importante trazida pela Reforma Trabalhista é que possibilitou a formação do grupo econômico horizontal. Isso pode ser verificado pela redação da Consolidação das Leis do Trabalho, após a Reforma Trabalhista, em que consta que o grupo se configura quando as empresas “estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico”.
Podemos ver que a Reforma Trabalhista alterou a redação do artigo 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que possibilitava o grupo econômico apenas quando havia o “controle ou administração” de uma empresa por outra. Portanto, era possível apenas o grupo econômico vertical pela redação anterior.
Com a nova redação, a Consolidação das Leis do Trabalho passou a admitir a formação do grupo econômico horizontal.
Identidade de sócios
É comum levantar a questão do grupo econômico pela identidade de sócios em duas ou mais pessoas jurídicas. Portanto, imagine-se que Fulano é sócio da Empresa A e também da Empresa B; nesses casos, havia a discussão sobre existir o grupo econômico. No entanto, o próprio julgamento do Tribunal Superior do Trabalho já citado (E-ED-RR 214940-39.2006.5.02.0472, julgado em 22.5.2014) abriu um novo panorama no âmbito do Direito do Trabalho, pois passou a exigir hierarquia entre as empresas; assim, a mera identidade de sócios não revelaria a possibilidade de reconhecimento do grupo econômico.
No entanto, a Reforma Trabalhista deixou claro, no artigo 2º, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, ao dispor que não “caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios”.
Interesse integrado, comunhão de interesses e atuação conjunta
Com a Reforma Trabalhista, passou-se a exigir demonstração do interesse integrado, comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas integrantes do grupo.
Márcio Granconato (citado em obra de Mauro Schiavi) define com precisão o que é cada um destes novos elementos trazidos pela Reforma Trabalhista:
‘por interesse integrado deve-se compreender que as empresas mantêm uma relação de reciprocidade na forma como atuam. Ou seja, elas operam de maneira complementar ou subsidiária em seus negócios. Como exemplo, pode-se citar o caso de duas empresas, uma atuando na terceirização de serviços de limpeza e a outra de serviços de vigilância. (…) O requisito da ‘comunhão de interesses’ pode ser entendido como a necessidade de que exista entre as empresas reciprocidade de vantagens, perdas e ganhos, benefícios e prejuízos. Elas compartilham o sucesso e a ruína de seus empreendimentos, de sorte que o negócio de uma influencia no da outra, surgindo daí o interesse comum. Mantendo o exemplo acima, fica claro que as duas empresas sofreriam, caso o trabalho de uma delas fosse mal prestado e ocasionasse a perda do cliente. O último requisito legal reside na ‘atuação conjunta das empresas’. Isso quer dizer que elas devem necessariamente ter uma vida em comum”
Responsabilidade passiva ou dual?
O grupo econômico resulta na responsabilidade solidária das empresas dele integrantes. Uma questão bem relevante que reacende com a Reforma Trabalhista é o polo em que essa responsabilidade atua: apenas na figura do empregador ou uma via de mão dupla?
A responsabilidade passiva (aquela que é aplicável apenas na figura do empregador) resulta da própria ideia geral de responsabilidade: o empregado, tendo um crédito trabalhista, pode cobrar de qualquer das empresas integrantes do grupo, indistintamente.
Por outro lado, surgiu na doutrina e jurisprudência a ideia de responsabilidade dual: o grupo econômico não resulta apenas na solidariedade entre as empresas para responder por créditos trabalhistas, mas também implica na possibilidade de todas as empresas do grupo exigir trabalho do empregado, subordinando-o.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho consolidou a existência da responsabilidade dual:
“Súmula 129 do Tribunal Superior do Trabalho – A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário”.
No entanto, a Consolidação das Leis do Trabalho, agora após a Reforma Trabalhista, parece caminhar em sentido contrário da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho. Isso porque a redação do artigo 2º, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho é no sentido de que as empresas integrantes do grupo “serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”. Agora, com a Consolidação das Leis do Trabalho dispondo que a responsabilidade é solidaria e apenas pelas obrigações da relação de emprego, parece trazer uma ideia no sentido de que não há possibilidade de responsabilidade dual.
A lei
Vejamos a redação da Reforma Trabalhista:
“Art. 2º. (…).
§ 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
§ 3º – Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”.
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